Corria o ano de 1985, na avenida principal do Furadouro, desfile de carnaval em pleno Verão. Tinha 10 anos. Nasci em Ovar, cresci a gostar de carnaval. Somos feitos das nossas raízes, dos nossos contextos, das nossas vivências. Aprendi, como tal, a gostar também de samba, que despontava naquela época em Ovar. O acesso a conteúdos não estava tão facilitado quanto agora, em que a internet nos permite um acesso imediato a toda a informação. Lembro-me de ter recebido em euforia no ano de 1989 umas cassetes com sambas e pagodes, uma alegria, portanto. Sempre fui muito curioso e tentei saber tudo sobre o contexto do samba no Brasil. Não aprecio uma certa desvalorização desta aculturação em Portugal, até porque parte de uma premissa altiva dos seus contestatários - e aqui estendo esta chamada aos críticos ferozes do carnaval, alguns até muito defensores do futebol, por exemplo. Este gosto surgiu particularmente naquela noite de Verão em 1985. Passou uma escola de samba que foi fundada havia pouco tempo (Charanguinha, em 1984) e houve uma pessoa que me chamou a atenção e me transmitiu aquilo que ainda hoje defino como altamente genuíno. Era o Edu, com o seu cabelo comprido, pêra e bigode, tratava o surdo (instrumento musical) com uma suavidade rara. Aquela imagem ficou-me no espírito e levou-me, a mim, um rapaz assustadoramente tímido, a pedir aos meus pais para entrar na Charanguinha. Não demorou muito para que esta vontade se consumasse. Em 1986, estava a entrar na sede da Charanguinha, embora o meu primeiro desfile tenha acontecido apenas em 1989. Tive um grande privilégio de fazer amigos para a vida e de usufruir de grandes momentos.
Foi com o Edu que tive as primeiras conversas sobre cantores e puxadores de samba, sobre letras, sobre poesia. Era um homem de uma sensibilidade única. Recordo-me de um desfile de 1993, ia o Edu no carro alegórico, demos um grande abraço emocionado no início do desfile, depois de me ter desenrascado um adereço da fantasia que eu havia perdido. Tinha uma aura especial, a sua presença carregava de energia os nossos lugares e as nossas vivências. Devo efectivamente ao Edu a minha chegada ao samba e a forma como fui crescendo no meu interesse pelo seu desenvolvimento cultural não apenas em Portugal mas igualmente no Brasil - agora mais simplificado através das diversas possibilidades de pesquisa. Neste sentido, julgo que o problema do samba em Portugal se prende com a constante replicação, em chapa, das ideias aplicadas no Brasil. Não existe um processo de transmutação que dê origem a uma adequação à proporção portuguesa, que é incomparável.
Por motivos diversos, vi um desmoronamento da Charanguinha, mas as amizades permaneceram, prova disso foi a fundação do Preto no Branco, com aquela ideologia que nos orientava, de gozar o carnaval sem quaisquer outras pretensões. Estive 11 anos na Charanguinha e 10 anos no Preto no Branco. Foram decisões minhas, provavelmente porque gosto de procurar novos desafios para a minha vida, mas isso não impede de manter as amizades, de ter saudades, de olhar para esse passado com melancolia. Isto tudo porque me lembrei do Edu e viajei por esses belos tempos da minha adolescência. E porque adoro samba, mesmo estando sem desfilar há 11 anos. Corro por fora e sinto-me bem assim.
Um grande saravá para o Edu.
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